quarta-feira, 6 de junho de 2012

Incógnito





Não existe mais nada que seja o bastante.
Eu preciso de mais.

Por um momento permita-se esquecer os fatores externos, que fizeram de você, essa cópia barata de todos.
E dissolva-se.
Dilua-se, para encontrar na menor parte de você o que é contínuo.
Talvez, removendo todas essas camadas de tinta seca, seja possível encontrar alguma alma.

Então.
Por um momento... esqueça o nome que lhe foi dado.
Esqueça quem foram seus pais e o que eles lhe ensinaram. Por melhor ou pior que tenha sido.
Não considere o que aprendeu e que já estava previamente escrito nos livros como sendo correto.
Recuse o politicamente adequado.
Não entregue-se a crueldade, não faça de toda essa dor um banquete. Não se desvie.
Negue sua identidade, aquela que já encontra-se na verdade perdida.

Você não pertence a algo.
Você não nasceu fazendo parte de algo.
Considere que não existe o algo para ser parte de.

Você não é um cidadão.
Um número no registro geral do que é chamado estado.
Não é a posição geográfica em um planeta que define você.
Raça, aparência.

Não é sua espécie. Deixe-a... porque não vai ser isso que irá defini-lo.

Ignore as doutrinas religiosas. Acredita mesmo que o simples fato ignora-las o guiaria a estar nesse momento devorando o coração de alguém ao invés de estar lendo?
Deixe isso ir. Alguns dos maiores assassinos da história rezavam...embora nunca para o mesmo deus.
Eram amantes das artes...embora a julgassem por seu valor e origem.
Eram eruditos...eram crédulos.

Esqueça.
Esqueça quem são seus amigos.
Seus inimigos.
O que é ou não pecado.
O que pode ou não ser feito.
O que existe ou é mito.

Abandone.

E quando acreditar que chegou ao nada, prossiga.
Até somente existir, única e exclusivamente, você e seu propósito.
Uma força da qual você não consiga se livrar.
O limite que indica quem de fato você é sob esse tom civilizado da sua pele, roupas, brincos, tatuagens.
Livre-se das amarras.
Dessa carcaça, magnifíca máquina e casco.

Abandone.

Morra.

E ao deixar de existir.
Enxergue o que continua movendo você...sem todos esses fatores externos.
Quais seriam suas escolhas?
Você ainda seria bom?
Você ainda seria humano?
Ainda seria você?

Abandone.

E entenda que aquilo que restar de você, será irônicamente, seu todo.

E essa coisa.
Isso.
Esse indecifrável.
Incógnito conteúdo.
Será sua essência.

Será que nesse ponto
ainda me escutaria?

Daria importância a algo? O que teria peso em sua gravidade? Amor, ódio, poder, compaixão, comida, vento, fogo, dor, prazer. Quais seriam então suas escolhas e seus motivos.

Abandone-me.

Porque para mim não existe mais nada que seja o bastante.

Abandone.
Você precisa demais.

Rosa Negra







Entre tons, sombras e matizes.
Em um jardim secreto. Perdido na maldade dos dias, no eclipse da alma.
Existe uma rosa negra.
Diferente de todas as outras rosas sem realmente ser.
Com pétalas escuras...que vão do cinza ao azul profundo em segundos.
Chegando até aos tons de carvão e breu que fazem dessa rosa uma flor única.
Ela é linda...tem uma beleza triste. Uma flor linda.
Sempre calada , sempre distante de todos...Talvez por sentir medo de ser magoada.
E algumas vezes quase dói saber que sou incapaz de mudar essa tristeza.
Ela é a solidão...não tem nada...nem mesmo alguém que possa salva-la dela mesma.
E nunca conseguirei entender seus motivos...mesmo conhecendo cada um deles.
Nunca irei esquecer a suavidade e o perfume.
Ela é apenas uma rosa...e nem mesmo aprecia isso.
Não sei...talvez não goste da sedução insinuada em rosas.


Uma rosa com cores noturnas.

Uma rosa com pigmentos de noite.



Luas no lugar de espinhos...Ela não pode me ferir...Não pode ferir quem a ama.

Não pode mais ferir quem ama.
Não pode mais fugir.
Sonhos no lugar de folhas.
E entendo que sonhar é apenas uma forma para não sentir mais dor.
Sonhando acordada para não sentir dor.
Vivendo mentiras para não sentir mais amor.
Se eu pudesse salvaria a rosa...de si mesma.
Se me fosse permitido...aplacaria a confusão de atos nos olhos dela.
A confusão que sempre perturba seus desejos e necessidades.
A dúvida sobre o que é correto, justo ou certo.
A incerteza sobre seus sentimentos...sobre o que ela deve sentir.
Sobre o que esperam que ela sinta.
Presa em seu jardim.



Livre sem realmente ser...presa sem de fato estar.



Descansa uma rosa...de tons negros...de delicadeza incomparável.

Uma rosa formada a partir de sonhos...poesias...desejos...lágrimas e sorrisos.
Uma flor feita de luas, noites, estrelas e promessas.
Preso em um jardim secreto descansa o amor...na forma de uma rosa negra.
Um amor...simples como uma rosa.
Uma rosa...simples como um amor.